Um estudo global inédito liderado pela cientista brasileira Heloisa Ehalt Macedo, da Universidade McGill (Canadá), revela um dado alarmante: cerca de 30% dos antibióticos consumidos por humanos estão poluindo os rios do planeta. Ao todo, mais de 8.500 toneladas dessas substâncias farmacológicas acabam no meio ambiente anualmente, aumentando o risco de surgimento das temidas superbactérias resistentes a medicamentos.
Publicado pela PNAS Nexus, da Academia Nacional de Ciências dos EUA, o estudo mostra que, como não são totalmente metabolizadas pelo organismo, essas moléculas são excretadas e acabam se acumulando em esgotos e águas superficiais, afetando ecossistemas aquáticos e a saúde humana.
Antibióticos poluem rios e contribuem para resistência microbiana
Os dados reunidos foram validados com amostras de esgoto em 877 localidades ao redor do mundo. A amoxicilina, antibiótico mais usado no tratamento de infecções iniciais, é o mais encontrado nos rios, apesar de ser uma substância que se decompõe relativamente rápido. O volume de uso é tão elevado que sua presença permanece significativa mesmo em áreas com tratamento de esgoto.
Segundo os autores do estudo, essa poluição farmacêutica contribui diretamente para a seleção e evolução de bactérias resistentes, desafiando a medicina moderna e a eficácia dos tratamentos antibióticos.
“A presença dessas substâncias em águas superficiais representa riscos aos ecossistemas aquáticos e à saúde humana devido à toxicidade e à influência na resistência antimicrobiana”, afirmam os pesquisadores.
Águas contaminadas, saúde em risco
A projeção considerou os 21 tipos mais comuns de antibióticos, responsáveis por cerca de 90% do consumo mundial. Entre os locais analisados, as regiões mais afetadas estão em países em desenvolvimento, com destaque para o Sudeste Asiático, onde há alta densidade populacional e deficiência no saneamento básico.
No Brasil, por exemplo, embora rios como os da Amazônia tenham alta vazão, regiões como o Sudeste e o Nordeste enfrentam riscos maiores devido à menor quantidade de água e maior concentração de poluentes. A falta de saneamento básico agrava ainda mais o cenário.
Impacto ambiental vai além dos rios
Além dos rios, o estudo mostra que oceanos e lagos também estão sendo contaminados, com cerca de 3.300 toneladas de antibióticos atingindo esses ambientes. Isso representa 11% do total global e pode comprometer a biodiversidade microbiana marinha, afetando espécies como peixes e algas, e impactando a cadeia alimentar aquática.
Ainda que países desenvolvidos estejam investindo em tecnologias para reduzir a carga de antibióticos nos resíduos urbanos, o problema persiste. Tratamentos secundários de esgoto ainda têm eficiência limitada e soluções sustentáveis para fármacos menos poluentes estão em estágio inicial.
Um alerta para o futuro da saúde pública
O estudo conduzido por Macedo é a primeira estimativa global da poluição por antibióticos de origem humana. O cenário reforça a urgência de ações integradas entre pesquisadores, governos e sociedade civil para controlar a disseminação dessas substâncias no meio ambiente e evitar o colapso da eficácia antimicrobiana.
“A medicina moderna não pode abrir mão dos antibióticos, mas precisamos pensar em alternativas com menor impacto ambiental”, destaca a cientista.